Breve Introdução Histórica
Os bens maiores da vida social contemporânea devem ser defendidos, protegidos e resguardados de toda ameaça e ofensa. A defesa da sociedade exige, desse modo, uma severidade completa com o dissonante, aquele incapaz de notar o rumo recto por limitação ou maldade. São dissonantes, assim, loucos, crianças, mulheres, minorias com hábitos “exóticos”, e também, criminosos e subversivos. Todos sofrendo, em algum grau, de malévolos distúrbios que, por sua vez, causam perturbações à sociedade. A resposta que o modelo político-social no Ocidente formulou para essas classes de agentes perturbadores foi a perseguição, o expurgo, a eliminação. Produziu -se, então, um sistema punitivo inédito, calcado numa nova economia das penas e na crença reformista dos poderes curativos da prisão e do castigo.
A pedra angular desse sistema punitivo, entendido como instrumento básico para a manutencão da saúde social, é a noção de prevenção geral; conceito por meio do qual se pressupõe que seja possível “persuadir as pessoas a não cometer determinados actos com base na aplicacão do castigo”.
A existência das punições elencadas nos códigos e a realidade das prisões como espaços para sua aplicacão deveriam ter um poder dissuasório, pelo medo e pelo exemplo. A mera possibilidade de ser preso agiria, desse modo, como desestímulo ao potencial criminoso. A prisão é a prova do castigo, a dor consubstanciada.
Nesse sentido, o circuito penitenciário “faz parte de um sistema mais vasto e mais complexo, o sistema punitivo: as criancas são punidas, os alunos são punidos, os operários são punidos, os soldados são punidos.
A premissa da prevenção geral, em consequência, não se restringe ao âmbito do direito ou das prisões, mas é uma energia que perspassa de cima a baixo o conjunto de contactos entre os indivíduos. Ela está no Estado, mas também em casa, na escola, na empresa, nas relações sentimentais, pulsando como uma força profiláctica: evitar a contaminação e o descaminho. As tácticas de governamentalidade põem em marcha mecanismos de controle social que visam a perseguição e enquadramento dos indivíduos tidos como “perigosos” e “desestabilizadores”.
As técnicas de vigilância e apresamento dessas “classes perigosas” são muitas e sempre variáveis, acompanhando características locais e necessidades de contenção das dissonâncias definidas pontualmente. Um dos estratagemas para o control social no presente, alvo dessa reflexão, é a proibição das drogas.
A situação de ilegalidade de um leque amplo de substâncias psicoactivas talvez seja um dos mais recentes acréscimos tácticos à roda totalizadora do sistema punitivo contemporâneo, pois há cerca de um século, não existiam vedações à livre produção, venda e consumo de psicoactivos hoje proibidos. Agregando recursos e potencial aos vectores de governamentalidade do Estado, o proibicionismo registou um rápido desenvolvimento, sendo hoje o padrão mundial no tratamento legal das drogas psicoactivas.
A aprovação da Lei Seca, emenda à Constituição dos Estados Unidos, em 1919, é tida como o principal ponto de inflexão dos inícios do proibicionismo. Por meio dela bania-se todo o circuito de produção, circulação e comercialização de bebidas alcoólicas no território estadounidense; decisão que significou o lançamento de um negócio fortemente desenvolvido e de um hábito amplamente difundido nas sombras da clandestinidade. A edição da 1 8 Emenda, longe de ser fruto de negociações palacianas, foi a culminação de um processo que demandou anos de debates jurídicos que espelhavam décadas de pressões políticas conduzidas por grupos puritanos organizados em nome da supressão das “mazelas morais” dos EUA. Desde a segunda metade do século XIX, associações norteadas pelo princípio da retidão moral almejavam a purificação da sociedade estadounidense pelo banimento dos hábitos nocivos e escandalosos aos bons costumes que, em sua avaliação, assolavam a vida no país. Entre as agremiações como a Woman’s Christian Temperance Union (União de Mulheres Cristãs pela Temperança) e o Prohibition Party (Partido pela Proibição), destacou-se a Anti-Saloon League (Liga Anti-saloon), com sua bandeira reivindicatória que exigia o fecho dos bares (saloons), estabelecimentos que permitiam, em seu interior, a venda de bebidas alcoólicas, o jogo de azar e a prostituição. O fecho dos “antros” significaria a extinção dos vícios conjugados.
O ataque ao álcool, no entanto, não impediu que outros psicoativos passassem a ser objeto de control crescente por parte do Estado. Ainda em 1914, o Congresso aprovou a Lei Harrison que estabelecia uma vigilância estreita ao mercado de opiáceos (ópio, heroína, morfina) e cocaína, restringido o uso às aplicações tidas como medicinais. A Lei Harrison abriu caminho para que o código penal estadounidense acamparasse um rol maior de substâncias psicoativas, além de adequar a legislação interna dos EUA aos parâmetros que vinham sendo estabelecidos internacionalmente por instigação da própria diplomacia estadounidense.
A proibição tornou possível ao Estado interferir em hábitos até então tidos como do foro íntimo e protegidos pela legislação liberal estadounidense. O primado liberal clássico da soberania sobre si mesmo, desde que as práticas não prejudicassem outrem cedeu espaço à determinação de que a ingestão de certas drogas deixaria o campo da eleição pessoal para ser universalmente vedada. Desse modo, prácticas privadas foram expostas publicamente como crimes.
Outro plano instrumentalizado pela Proibição e o mais importante nos limites dessa reflexão foi o do control de grupos sociais determinados, potencializado pela instauração de novas ilegalidades. Nesse ponto, é importante destacar que antes mesmo da elaboração das primeiras leis proibicionistas nos Estados Unidos, o moralismo organizado e não-organizado já identificava o consumo de substâncias indutoras de estados alterados de consciência aos hábitos de minorias estigmatizadas. Assim, os negros eram identificados como consumidores de cocaína; os chineses, como viciados em ópio; os irlandeses, como inveterados bebedores
de álcool; os mexicanos e outros hispânicos, como indolentes e lascivos fumadores de marijuana.
As substâncias indutoras de “prazeres pecaminosos” foram, desse modo, directamente associadas pelos estadounidenses brancos e protestantes a comunidades que, nos Estados Unidos daquele momento, eram vistas com enorme desconfiança, quer fosse pelos seus hábitos exóticos e condenáveis, quer fosse pelos empregos que supostamente roubavam aos “cidadãos descentes”.
A identificação de indivíduos e grupos perigosos, ameaçadores da ordem social e da saúde moral era um exercício de governo praticado com regularidade e precisão desde ao menos o final do século XVIII e que, em princípios do século XX, já se firmara como mecanismo fundamental de gestão da sociedade.
A associação de comunidades previamente indicadas como ameaçadoras ao consumo e, depois da Proibição, à venda de drogas ilícitas pode ser vista como uma nova engrenagem que emerge fortalecendo os recursos que, em princípios do século XX, já operavam para perseguir esses mesmos grupos. Afirma-se, desse modo, que a proibição das drogas mostrou-se como uma forma sedutora para o incremento das estratégias de control social em curso. A sobreposição construída entre “classes perigosas”, “viciados” e “traficantes” provou-se poderosa, pois encontrou ressonância e suporte nos princípios morais hegemónicos e nas avaliações que apontavam o consumo de psicoativos como séria matéria sanitária. Com tal articulação, a questão das drogas psicoativas transformou-se num grande problema que justapunha três planos de graves ameaças: à moral, à saúde pública e à seguranca pública.
O desenvolvimento da Proibição a partir das demandas sociais moralistas não se restringiu aos Estados Unidos, e movimentos similares podem ser registrados nos países europeus e em Estados latino-americanos.
A possibilidade de localizar faixas da população que deviam ser controladas com o tráfico de psicoactivos encontrou formas particulares de manifestar-se no Ocidente que acompanharam a elaboração de convenções proibicionistas assinadas e ratificadas por um número crescente de Estados ao longo do século XX. A criminalização e o combate ao uso e venda de psicoativos ilícitos potencializaram-se com a emergéncia, na década de 1970, do narcotráfico, entendido como o complexo empresarial clandestino que conecta redes várias de produção e comercialização de drogas proibidas. A partir desse período, e incentivado pela postura diplomática estadounidense, a Proibição toma contornos de guerra internacional às drogas. Novos “responsáveis” pela disseminação das drogas ilegais são apontados. Eles estão na América Latina (colombianos, peruanos, bolivianos, mexicanos) em África (nigerianos, marroquinos, senegaleses) e na Ásia (birmaneses, afegãos, tailandeses).
A lógica em operação é a da identificação da ameaça no além-fronteiras, ideia condensada no discurso do governo estadounidense que divide o mundo em países consumidores, as “vítimas”, e países produtores, os “agressores”. A dualidade de tal discurso cria condições para uma prática de governamentalidade internacional, uma modalidade de control social global, no qual os Estados condenados como “coniventes” com o tráfico de drogas são penalizados com o corte de créditos das agéncias de fomento internacionais, com o boicote de grandes corporações, com a proscrição dos foros mundiais e com a ameaça constante e nem sempre velada de intervenção militar estadunidense.
Como tónica da Proibição, a guerra às drogas jamais se aproximou minimamente da meta em erradicar o negócio e o consumo de psicoativos no mundo. O carácter militar assumido pela luta internacional contra as drogas ilícitas deve ser encarado não como uma inovação completa do proibicionismo, mas sim, como a transposição para o plano internacional da lógica coerciva e policial de control social consolidada localmente pela via da repressão a consumidores e negociantes de substâncias psicoativas.
Questionado como solução universal para a questão do comércio e uso de drogas psicoativas, o proibicionismo vem sendo alvo de críticas que procuram apontar saídas alternativas e novos percursos que prescindam da condenação e da criminalização como caminho para lidar com as drogas, substâncias envoltas em hábitos e práticas que se apresentam, aos olhos de cada vez mais observadores, como não suprimíveis ou incontornáveis.
As Alternativas e a Liberdade
Descriminalização
Ao confrontar dados estatísticos provenientes das mais diversas fontes, analistas da questão das drogas ilícitas, progressistas e conservadores, detectam um facto perturbador: a despeito das décadas de repressão crescente aos psicoativos banidos, esse mercado clandestino só fez por crescer, assim como o consumo em termos absolutos e relativos. O aumento dos gastos destinados ao combate policial e militar ao narcotráfico não se reverteu em sua extinção como prometeram os discursos proibicionistas formulados nos Estados Unidos e Ocidente em geral. Entre os proibicionistas, despontaram a partir da década de 1990, avaliações críticas ao regime legal em vigor, identificando como erro básico deste a ênfase dada à coerção policial em detrimento de uma preocupação maior com a prevenção ao uso.
Segundo essa perspectiva, seriam dispensados milhões de dólares para o ataque à oferta, sem que se cuidasse da demanda por substâncias psicoativas.
O deslocamento do olhar para o consumidor tem produzido outras iniciativas reunidas sob a noção de descriminalização das drogas. Em síntese, a descriminalização indica uma reforma no código penal que abrande o tratamento dispensado aos consumidores, mantendo (ou até mesmo enrijecendo) a penalização dos traficantes. Estados que descriminalizam drogas controladas, diferenciam traficante de consumidor pela quantidade de droga transportada por um indivíduo que seja abordado pela autoridade policial. Ao ultrapassar o tecto estabelecido pela lei (quantidade, em gramas, de uma determinada droga), um indivíduo deixa de ser percebido como consumidor, para ser classificado como negociante ilegal. A tolerância maior para com o consumidor vem atrelada às modificações das sanções que ele pode vir a sofrer. Se não é mais destinado à prisão, a pessoa capturada é conduzida a um outro circuito que impinge de penas alternativas (trabalhos comunitários, cursos obrigatórios, etc.) a internamentos compulsivos em clínicas de desintoxicação para os que forem identificados pela perícia médico-judicial como “viciados”. Não se trata, assim, de uma eliminação do control governamental sobre o consumidor, mas uma migração para formas mais humanitárias de vigia e observação e que não deixam de configurar um avanço no sentido do não encarceramento de pessoas que mais não são que doentes.
Em 2002, o Estado português publicou uma nova lei sobre drogas que descriminalizou o uso de todos psicoativos ilícitos. Considerado o caso mais profundo de reforma nas leis proibicionistas no mundo contemporâneo, o caso português é ilustrativo dos limites desse “avanço progressista” pois mantém o controle ao usuário por vias distintas do encarceramento e aprofunda o tratamento penal dos comerciantes de substâncias proibidas.
Felizmente Portugal está na linha da frente quanto a esta nova perspectiva no combate à droga desde 1 Julho de 2001 com a aprovação da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, mas não é por estarmos mais avançados que outros países que não devemos de deixar de procurar novas alternativas de sucesso no combate ao consumo e tráfico de droga.
Politica de Redução de Danos
Em paralelo às versões mais brandas da Proibição, coexiste uma prática, as políticas de redução de danos, que vem abrindo espaços diferenciados para a sociabilidade de consumidores de drogas ilícitas. Formuladas na Holanda em meados da década de 1980, as políticas de redução de danos nasceram com o projeto de distribuição de seringas descartáveis a consumidores de heroína e cocaína injectáveis com o propósito de evitar a partilha do instrumento e, com isso, a disseminação do HIV e de outros antígenios causadores de doenças. O tratamento através de metadona também revela interessantes resultados pois como resultado de os consumidores não precisarem de comprar e consumir droga os niveis de crimes relacionados com a droga baixou drasticamente.
O princípio a nortear as políticas de redução de danos é simples: a partir da constatação de que é impossível suprimir o hábito de intoxicar-se das relações sociais, seria importante encontrar formas de torná-lo mais seguro, impedindo a transmissão de doenças, acompanhando e assistindo os consumidores em seu hábito. Os programas de redução de danos alcançaram o patamar de política social em alguns Estados que lidam com a questão das drogas ilícitas de maneira mais progressista, como a mencionada Holanda, Suíça, Inglaterra e Austrália.
Suiça e Holanda: Soluções
A solução para esse novo problema? Máquinas de fornecimento automático de drogas, controladas por computador e pagas pelo contribuinte suíço. Os consumidores entram numa casa discreta, sem placa na porta, e recebem do computador sua ração diária de heroína. A máquina conhece os dados pessoais, os hábitos de consumo e a dosagem máxima para cada caso. Nas palavras da gerente do local, "nossos pacientes sabem que podem contar com a droga e vivem com maior dignidade..." E para ratificar a solução encontrada, os suíços aprovaram num plebiscito, por esmagadora maioria (71%), a prática governamental de
distribuição de doses de heroína aos viciados.
Na Holanda, em novembro de 1999, o Ministério da Saúde estendeu a distribuição de heroína aos dependentes de drogas mais pesadas, após ter concluído um plano piloto de três meses que teve eficácia comprovada. Na primeira fase do projecto revolucionário, 24 dependentes em Amsterdão e 21 de Roterdão receberam doses da droga. Segundo o órgão, nessa primeira fase não houve efeitos colaterais em termos de ordem pública, criminalidade e segurança médica...
As medidas de redução de danos não são em si uma mudança substancial ao regime proibicionista, no entanto, ao colocar um novo patamar de relacionamento com os consumidores de drogas ilícitas, abre brechas no cenário cerrado da Proibição, colocando em evidência a impossibilidade de se erradicar a ebriedade química, além da abordagem diferenciada àqueles que vivenciam a experiência de manter um hábito em meio à sua proibição. Em conjunto, as reformas descriminalizadoras e as políticas de redução de danos são os rasgos mais progressistas em operação num ambiente normativo internacional que preconiza a proibição estrita de um grande leque de psicoativos.Assim, nota-se que a Proibição em si segue como a prescrição mundial para tratar a questão das drogas em suas dimensões sociais, políticas, económicas e individuais.
Legalização e Liberalização
Despontam desse embate de forças mais ou menos conservadoras, propostas mais contundentes em seu ataque à Proibição que são genericamente conhecidas como projectos para a legalização das drogas. Nesse campo, surgiriam duas possibilidades de reforma das leis sobre psicoativos: as legalizações estatizante e liberal. Em ambos os casos, o circuito da produção, venda e consumo de drogas psicoativas deixaria de ser ilegal, encontrando meios de regulação pela nova legislação específica. Para a legalização estatizante, prefigurar-se-ia uma situação na qual o mercado de drogas estaria sob o controle total do Estado, que comandaria desde o cultivo e/ou síntese de substâncias psicoativas até a comercialização final do produto. No caso de uma legalização liberal, o Estado actuaria apenas como regulador de um mercado livre de produtores privados de psicoativos que disputariam seus consumidores com os mesmos recursos utilizados nas actuais campanhas publicitárias das drogas legais (medicamentos, álcool e tabaco). Os defensores da legalização estatizante tendem a referir as vantagens em termos de prevenção ao uso e às mortes por overdose provenientes do fim do proibicionismo, ao passo que os liberais, preferem investir nos argumentos que giram em torno da autonomia que os indivíduos devem ter para dispor de seu corpo na vida privada.
O narcotrafico potente indústria clandestina, é percebido pelos partidários da legalização como fruto da Proibição em tudo indestrutível pela via da guerra às drogas. Somente o fim da ilegalidade poderá desactivar essa poderosa economia que se alimenta da sua própria proibição.
Progressistas ou conservadoras, as alternativas propostas à Proibição militarista vigente na actualidade tem ao menos dois pontos em comum. O primeiro ponto de contacto é a antes mencionada constatação de que o proibicionismo é um fracasso como meio para enfrentar o tema das drogas no mundo contemporâneo. A segunda característica partilhada, possível de identificação após a breve exposição das correntes críticas, é a tentativa de encontrar soluções universais para lidar com a questão.
Os eventos criminalizados pela justiça penal deixam de ser vistos como crimes (o que pressupõe a possibilidade de que cada acontecimento seja reduzido a um modo totalizador de análise e solução) para vê-los como situações-problema a serem abordadas em suas especificidades.
Os bens maiores da vida social contemporânea devem ser defendidos, protegidos e resguardados de toda ameaça e ofensa. A defesa da sociedade exige, desse modo, uma severidade completa com o dissonante, aquele incapaz de notar o rumo recto por limitação ou maldade. São dissonantes, assim, loucos, crianças, mulheres, minorias com hábitos “exóticos”, e também, criminosos e subversivos. Todos sofrendo, em algum grau, de malévolos distúrbios que, por sua vez, causam perturbações à sociedade. A resposta que o modelo político-social no Ocidente formulou para essas classes de agentes perturbadores foi a perseguição, o expurgo, a eliminação. Produziu -se, então, um sistema punitivo inédito, calcado numa nova economia das penas e na crença reformista dos poderes curativos da prisão e do castigo.
A pedra angular desse sistema punitivo, entendido como instrumento básico para a manutencão da saúde social, é a noção de prevenção geral; conceito por meio do qual se pressupõe que seja possível “persuadir as pessoas a não cometer determinados actos com base na aplicacão do castigo”.
A existência das punições elencadas nos códigos e a realidade das prisões como espaços para sua aplicacão deveriam ter um poder dissuasório, pelo medo e pelo exemplo. A mera possibilidade de ser preso agiria, desse modo, como desestímulo ao potencial criminoso. A prisão é a prova do castigo, a dor consubstanciada.
Nesse sentido, o circuito penitenciário “faz parte de um sistema mais vasto e mais complexo, o sistema punitivo: as criancas são punidas, os alunos são punidos, os operários são punidos, os soldados são punidos.
A premissa da prevenção geral, em consequência, não se restringe ao âmbito do direito ou das prisões, mas é uma energia que perspassa de cima a baixo o conjunto de contactos entre os indivíduos. Ela está no Estado, mas também em casa, na escola, na empresa, nas relações sentimentais, pulsando como uma força profiláctica: evitar a contaminação e o descaminho. As tácticas de governamentalidade põem em marcha mecanismos de controle social que visam a perseguição e enquadramento dos indivíduos tidos como “perigosos” e “desestabilizadores”.
As técnicas de vigilância e apresamento dessas “classes perigosas” são muitas e sempre variáveis, acompanhando características locais e necessidades de contenção das dissonâncias definidas pontualmente. Um dos estratagemas para o control social no presente, alvo dessa reflexão, é a proibição das drogas.
A situação de ilegalidade de um leque amplo de substâncias psicoactivas talvez seja um dos mais recentes acréscimos tácticos à roda totalizadora do sistema punitivo contemporâneo, pois há cerca de um século, não existiam vedações à livre produção, venda e consumo de psicoactivos hoje proibidos. Agregando recursos e potencial aos vectores de governamentalidade do Estado, o proibicionismo registou um rápido desenvolvimento, sendo hoje o padrão mundial no tratamento legal das drogas psicoactivas.
A aprovação da Lei Seca, emenda à Constituição dos Estados Unidos, em 1919, é tida como o principal ponto de inflexão dos inícios do proibicionismo. Por meio dela bania-se todo o circuito de produção, circulação e comercialização de bebidas alcoólicas no território estadounidense; decisão que significou o lançamento de um negócio fortemente desenvolvido e de um hábito amplamente difundido nas sombras da clandestinidade. A edição da 1 8 Emenda, longe de ser fruto de negociações palacianas, foi a culminação de um processo que demandou anos de debates jurídicos que espelhavam décadas de pressões políticas conduzidas por grupos puritanos organizados em nome da supressão das “mazelas morais” dos EUA. Desde a segunda metade do século XIX, associações norteadas pelo princípio da retidão moral almejavam a purificação da sociedade estadounidense pelo banimento dos hábitos nocivos e escandalosos aos bons costumes que, em sua avaliação, assolavam a vida no país. Entre as agremiações como a Woman’s Christian Temperance Union (União de Mulheres Cristãs pela Temperança) e o Prohibition Party (Partido pela Proibição), destacou-se a Anti-Saloon League (Liga Anti-saloon), com sua bandeira reivindicatória que exigia o fecho dos bares (saloons), estabelecimentos que permitiam, em seu interior, a venda de bebidas alcoólicas, o jogo de azar e a prostituição. O fecho dos “antros” significaria a extinção dos vícios conjugados.
O ataque ao álcool, no entanto, não impediu que outros psicoativos passassem a ser objeto de control crescente por parte do Estado. Ainda em 1914, o Congresso aprovou a Lei Harrison que estabelecia uma vigilância estreita ao mercado de opiáceos (ópio, heroína, morfina) e cocaína, restringido o uso às aplicações tidas como medicinais. A Lei Harrison abriu caminho para que o código penal estadounidense acamparasse um rol maior de substâncias psicoativas, além de adequar a legislação interna dos EUA aos parâmetros que vinham sendo estabelecidos internacionalmente por instigação da própria diplomacia estadounidense.
A proibição tornou possível ao Estado interferir em hábitos até então tidos como do foro íntimo e protegidos pela legislação liberal estadounidense. O primado liberal clássico da soberania sobre si mesmo, desde que as práticas não prejudicassem outrem cedeu espaço à determinação de que a ingestão de certas drogas deixaria o campo da eleição pessoal para ser universalmente vedada. Desse modo, prácticas privadas foram expostas publicamente como crimes.
Outro plano instrumentalizado pela Proibição e o mais importante nos limites dessa reflexão foi o do control de grupos sociais determinados, potencializado pela instauração de novas ilegalidades. Nesse ponto, é importante destacar que antes mesmo da elaboração das primeiras leis proibicionistas nos Estados Unidos, o moralismo organizado e não-organizado já identificava o consumo de substâncias indutoras de estados alterados de consciência aos hábitos de minorias estigmatizadas. Assim, os negros eram identificados como consumidores de cocaína; os chineses, como viciados em ópio; os irlandeses, como inveterados bebedores
de álcool; os mexicanos e outros hispânicos, como indolentes e lascivos fumadores de marijuana.
As substâncias indutoras de “prazeres pecaminosos” foram, desse modo, directamente associadas pelos estadounidenses brancos e protestantes a comunidades que, nos Estados Unidos daquele momento, eram vistas com enorme desconfiança, quer fosse pelos seus hábitos exóticos e condenáveis, quer fosse pelos empregos que supostamente roubavam aos “cidadãos descentes”.
A identificação de indivíduos e grupos perigosos, ameaçadores da ordem social e da saúde moral era um exercício de governo praticado com regularidade e precisão desde ao menos o final do século XVIII e que, em princípios do século XX, já se firmara como mecanismo fundamental de gestão da sociedade.
A associação de comunidades previamente indicadas como ameaçadoras ao consumo e, depois da Proibição, à venda de drogas ilícitas pode ser vista como uma nova engrenagem que emerge fortalecendo os recursos que, em princípios do século XX, já operavam para perseguir esses mesmos grupos. Afirma-se, desse modo, que a proibição das drogas mostrou-se como uma forma sedutora para o incremento das estratégias de control social em curso. A sobreposição construída entre “classes perigosas”, “viciados” e “traficantes” provou-se poderosa, pois encontrou ressonância e suporte nos princípios morais hegemónicos e nas avaliações que apontavam o consumo de psicoativos como séria matéria sanitária. Com tal articulação, a questão das drogas psicoativas transformou-se num grande problema que justapunha três planos de graves ameaças: à moral, à saúde pública e à seguranca pública.
O desenvolvimento da Proibição a partir das demandas sociais moralistas não se restringiu aos Estados Unidos, e movimentos similares podem ser registrados nos países europeus e em Estados latino-americanos.
A possibilidade de localizar faixas da população que deviam ser controladas com o tráfico de psicoactivos encontrou formas particulares de manifestar-se no Ocidente que acompanharam a elaboração de convenções proibicionistas assinadas e ratificadas por um número crescente de Estados ao longo do século XX. A criminalização e o combate ao uso e venda de psicoativos ilícitos potencializaram-se com a emergéncia, na década de 1970, do narcotráfico, entendido como o complexo empresarial clandestino que conecta redes várias de produção e comercialização de drogas proibidas. A partir desse período, e incentivado pela postura diplomática estadounidense, a Proibição toma contornos de guerra internacional às drogas. Novos “responsáveis” pela disseminação das drogas ilegais são apontados. Eles estão na América Latina (colombianos, peruanos, bolivianos, mexicanos) em África (nigerianos, marroquinos, senegaleses) e na Ásia (birmaneses, afegãos, tailandeses).
A lógica em operação é a da identificação da ameaça no além-fronteiras, ideia condensada no discurso do governo estadounidense que divide o mundo em países consumidores, as “vítimas”, e países produtores, os “agressores”. A dualidade de tal discurso cria condições para uma prática de governamentalidade internacional, uma modalidade de control social global, no qual os Estados condenados como “coniventes” com o tráfico de drogas são penalizados com o corte de créditos das agéncias de fomento internacionais, com o boicote de grandes corporações, com a proscrição dos foros mundiais e com a ameaça constante e nem sempre velada de intervenção militar estadunidense.
Como tónica da Proibição, a guerra às drogas jamais se aproximou minimamente da meta em erradicar o negócio e o consumo de psicoativos no mundo. O carácter militar assumido pela luta internacional contra as drogas ilícitas deve ser encarado não como uma inovação completa do proibicionismo, mas sim, como a transposição para o plano internacional da lógica coerciva e policial de control social consolidada localmente pela via da repressão a consumidores e negociantes de substâncias psicoativas.
Questionado como solução universal para a questão do comércio e uso de drogas psicoativas, o proibicionismo vem sendo alvo de críticas que procuram apontar saídas alternativas e novos percursos que prescindam da condenação e da criminalização como caminho para lidar com as drogas, substâncias envoltas em hábitos e práticas que se apresentam, aos olhos de cada vez mais observadores, como não suprimíveis ou incontornáveis.
As Alternativas e a Liberdade
Descriminalização
Ao confrontar dados estatísticos provenientes das mais diversas fontes, analistas da questão das drogas ilícitas, progressistas e conservadores, detectam um facto perturbador: a despeito das décadas de repressão crescente aos psicoativos banidos, esse mercado clandestino só fez por crescer, assim como o consumo em termos absolutos e relativos. O aumento dos gastos destinados ao combate policial e militar ao narcotráfico não se reverteu em sua extinção como prometeram os discursos proibicionistas formulados nos Estados Unidos e Ocidente em geral. Entre os proibicionistas, despontaram a partir da década de 1990, avaliações críticas ao regime legal em vigor, identificando como erro básico deste a ênfase dada à coerção policial em detrimento de uma preocupação maior com a prevenção ao uso.
Segundo essa perspectiva, seriam dispensados milhões de dólares para o ataque à oferta, sem que se cuidasse da demanda por substâncias psicoativas.
O deslocamento do olhar para o consumidor tem produzido outras iniciativas reunidas sob a noção de descriminalização das drogas. Em síntese, a descriminalização indica uma reforma no código penal que abrande o tratamento dispensado aos consumidores, mantendo (ou até mesmo enrijecendo) a penalização dos traficantes. Estados que descriminalizam drogas controladas, diferenciam traficante de consumidor pela quantidade de droga transportada por um indivíduo que seja abordado pela autoridade policial. Ao ultrapassar o tecto estabelecido pela lei (quantidade, em gramas, de uma determinada droga), um indivíduo deixa de ser percebido como consumidor, para ser classificado como negociante ilegal. A tolerância maior para com o consumidor vem atrelada às modificações das sanções que ele pode vir a sofrer. Se não é mais destinado à prisão, a pessoa capturada é conduzida a um outro circuito que impinge de penas alternativas (trabalhos comunitários, cursos obrigatórios, etc.) a internamentos compulsivos em clínicas de desintoxicação para os que forem identificados pela perícia médico-judicial como “viciados”. Não se trata, assim, de uma eliminação do control governamental sobre o consumidor, mas uma migração para formas mais humanitárias de vigia e observação e que não deixam de configurar um avanço no sentido do não encarceramento de pessoas que mais não são que doentes.
Em 2002, o Estado português publicou uma nova lei sobre drogas que descriminalizou o uso de todos psicoativos ilícitos. Considerado o caso mais profundo de reforma nas leis proibicionistas no mundo contemporâneo, o caso português é ilustrativo dos limites desse “avanço progressista” pois mantém o controle ao usuário por vias distintas do encarceramento e aprofunda o tratamento penal dos comerciantes de substâncias proibidas.
Felizmente Portugal está na linha da frente quanto a esta nova perspectiva no combate à droga desde 1 Julho de 2001 com a aprovação da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, mas não é por estarmos mais avançados que outros países que não devemos de deixar de procurar novas alternativas de sucesso no combate ao consumo e tráfico de droga.
Politica de Redução de Danos
Em paralelo às versões mais brandas da Proibição, coexiste uma prática, as políticas de redução de danos, que vem abrindo espaços diferenciados para a sociabilidade de consumidores de drogas ilícitas. Formuladas na Holanda em meados da década de 1980, as políticas de redução de danos nasceram com o projeto de distribuição de seringas descartáveis a consumidores de heroína e cocaína injectáveis com o propósito de evitar a partilha do instrumento e, com isso, a disseminação do HIV e de outros antígenios causadores de doenças. O tratamento através de metadona também revela interessantes resultados pois como resultado de os consumidores não precisarem de comprar e consumir droga os niveis de crimes relacionados com a droga baixou drasticamente.
O princípio a nortear as políticas de redução de danos é simples: a partir da constatação de que é impossível suprimir o hábito de intoxicar-se das relações sociais, seria importante encontrar formas de torná-lo mais seguro, impedindo a transmissão de doenças, acompanhando e assistindo os consumidores em seu hábito. Os programas de redução de danos alcançaram o patamar de política social em alguns Estados que lidam com a questão das drogas ilícitas de maneira mais progressista, como a mencionada Holanda, Suíça, Inglaterra e Austrália.
Suiça e Holanda: Soluções
A solução para esse novo problema? Máquinas de fornecimento automático de drogas, controladas por computador e pagas pelo contribuinte suíço. Os consumidores entram numa casa discreta, sem placa na porta, e recebem do computador sua ração diária de heroína. A máquina conhece os dados pessoais, os hábitos de consumo e a dosagem máxima para cada caso. Nas palavras da gerente do local, "nossos pacientes sabem que podem contar com a droga e vivem com maior dignidade..." E para ratificar a solução encontrada, os suíços aprovaram num plebiscito, por esmagadora maioria (71%), a prática governamental de
distribuição de doses de heroína aos viciados.
Na Holanda, em novembro de 1999, o Ministério da Saúde estendeu a distribuição de heroína aos dependentes de drogas mais pesadas, após ter concluído um plano piloto de três meses que teve eficácia comprovada. Na primeira fase do projecto revolucionário, 24 dependentes em Amsterdão e 21 de Roterdão receberam doses da droga. Segundo o órgão, nessa primeira fase não houve efeitos colaterais em termos de ordem pública, criminalidade e segurança médica...
As medidas de redução de danos não são em si uma mudança substancial ao regime proibicionista, no entanto, ao colocar um novo patamar de relacionamento com os consumidores de drogas ilícitas, abre brechas no cenário cerrado da Proibição, colocando em evidência a impossibilidade de se erradicar a ebriedade química, além da abordagem diferenciada àqueles que vivenciam a experiência de manter um hábito em meio à sua proibição. Em conjunto, as reformas descriminalizadoras e as políticas de redução de danos são os rasgos mais progressistas em operação num ambiente normativo internacional que preconiza a proibição estrita de um grande leque de psicoativos.Assim, nota-se que a Proibição em si segue como a prescrição mundial para tratar a questão das drogas em suas dimensões sociais, políticas, económicas e individuais.
Legalização e Liberalização
Despontam desse embate de forças mais ou menos conservadoras, propostas mais contundentes em seu ataque à Proibição que são genericamente conhecidas como projectos para a legalização das drogas. Nesse campo, surgiriam duas possibilidades de reforma das leis sobre psicoativos: as legalizações estatizante e liberal. Em ambos os casos, o circuito da produção, venda e consumo de drogas psicoativas deixaria de ser ilegal, encontrando meios de regulação pela nova legislação específica. Para a legalização estatizante, prefigurar-se-ia uma situação na qual o mercado de drogas estaria sob o controle total do Estado, que comandaria desde o cultivo e/ou síntese de substâncias psicoativas até a comercialização final do produto. No caso de uma legalização liberal, o Estado actuaria apenas como regulador de um mercado livre de produtores privados de psicoativos que disputariam seus consumidores com os mesmos recursos utilizados nas actuais campanhas publicitárias das drogas legais (medicamentos, álcool e tabaco). Os defensores da legalização estatizante tendem a referir as vantagens em termos de prevenção ao uso e às mortes por overdose provenientes do fim do proibicionismo, ao passo que os liberais, preferem investir nos argumentos que giram em torno da autonomia que os indivíduos devem ter para dispor de seu corpo na vida privada.
O narcotrafico potente indústria clandestina, é percebido pelos partidários da legalização como fruto da Proibição em tudo indestrutível pela via da guerra às drogas. Somente o fim da ilegalidade poderá desactivar essa poderosa economia que se alimenta da sua própria proibição.
Progressistas ou conservadoras, as alternativas propostas à Proibição militarista vigente na actualidade tem ao menos dois pontos em comum. O primeiro ponto de contacto é a antes mencionada constatação de que o proibicionismo é um fracasso como meio para enfrentar o tema das drogas no mundo contemporâneo. A segunda característica partilhada, possível de identificação após a breve exposição das correntes críticas, é a tentativa de encontrar soluções universais para lidar com a questão.
Os eventos criminalizados pela justiça penal deixam de ser vistos como crimes (o que pressupõe a possibilidade de que cada acontecimento seja reduzido a um modo totalizador de análise e solução) para vê-los como situações-problema a serem abordadas em suas especificidades.
Estudos realizados, entre outros, pelo psiquiatra estadunidense Norman Zinberg e pelo holandês Jean-Paul Grund que se preocupam em identificar os modos e usos controlados de psicoativos que são estabelecidos pelos grupos de consumidores. Segundo MacRae, fazendo mencão aos argumentos de Zinberg, os grupos de consumidores tendem a estabelecer padrões de consumo controlado, “definindo o que é uso aceitável e condenando os que fogem a esse padrão (...), limitando o uso a meios físicos e sociais que propiciem experiências positivas e seguras [e] identificando efeitos potencialmente negativos” a fim de evitá-los ou para acudir os que necessitarem (1997, p. 111). As pequenas comunidades de consumidores determinariam, assim, regras e rituais de uso que se comunicam directamente com sanções locais a modos de utilizacão tidos como inapropriados. Em geral relacionadas com os usos tradicionais de populações nativas, o uso balizado por padrões definidos existe também no espaço urbano, estando presente em diversas “subculturas” (MacRae e Sim›es, 2000). Em uma palavra, os autores buscam demonstrar que prácticas sociais podem e são construídas na localidade com o objetivo de colocar pautas de uso que, tal qual regras dietéticas encontráveis em diversas culturas, fixam regras destinadas ao autocontrole (Fernandez, 1997). A diferenca fundamental entre esse modo de regulamentação local e o proibicionismo é que o primeiro se apresenta móvel e consensual já que não há, em princípio, força alguma que impeça a secessão do indivíduo que discordar das regras acordadas enquanto o segundo, se mostra universal e coercivo. Não há o “fora legítimo” da lei universal. Tudo que a desonra é crime e, portanto, passível de punição. No que tange às leis sobre drogas, a proibição, segundo Thomas Szasz (1991) impede a transmissão de conhecimentos entre usuários, facto que torna os hábitos de consumo mais misteriosos e, consequentemente, mais arriscados.
Atentar para as oportunidades de regulamentação local produz um importante argumento contra o alarme proibicionista que ressoa a inevitabilidade do caos num mundo sem restrições legais ao consumo de drogas psicoativas. No entanto, há que se reparar que se usos controlados podem existir, a desmesura não poderá jamais ser abolida. As intenções de cada um são pessoais e intransferíveis, e podem ser na direção de usos continuados e prazenteiros ou não.
O término da Proibição desmantelaria o narcotráfico e suas potentes empresas clandestinas
A Proibição é, no mundo contemporâneo, um dos principais meios de captura de indivíduos provenientes das “classes perigosas”.
A guerra às drogas, com traços classistas e racistas colocados com evidéncia, propõe-se uma meta inatingível: a supressão do uso de drogas psicoativas. No entanto, longe de ser um fracasso completo, o proibicionismo apresenta-se como um poderoso braço de apresamento de sujeitos que devem ser rastreados, controlados, submetidos pela sua “periculosidade” (Robey, 2000). A liberalização, tal qual a abolição, já existe nas prácticas quotidianas e o proibicionismo seria um monumento inerte já que o consumo de psicoativos no mundo avança ano a ano. Daí a necessidade em questioná-lo, destacando sua historicidade, como os planos políticos e morais que o sustentam.
Os especialistas costumam dividir as drogas em dois tipos: leves e duras. Drogas leves são as que causam "dependência psíquica", que significa o desejo irrefreável de consumir a droga. Drogas duras são aquelas que além da dependência psíquica causam também a física, ou seja, a sua falta acarreta uma síndrome de abstinência tão violenta, com sintomas físicos tão dolorosos, que o viciado procura desesperadamente pela droga a fim de aliviar a ânsia de consumo. Por essa razão, fumo e álcool podem ser considerados como drogas duras, apesar de serem socialmente aceites.
Atentar para as oportunidades de regulamentação local produz um importante argumento contra o alarme proibicionista que ressoa a inevitabilidade do caos num mundo sem restrições legais ao consumo de drogas psicoativas. No entanto, há que se reparar que se usos controlados podem existir, a desmesura não poderá jamais ser abolida. As intenções de cada um são pessoais e intransferíveis, e podem ser na direção de usos continuados e prazenteiros ou não.
O término da Proibição desmantelaria o narcotráfico e suas potentes empresas clandestinas
A Proibição é, no mundo contemporâneo, um dos principais meios de captura de indivíduos provenientes das “classes perigosas”.
A guerra às drogas, com traços classistas e racistas colocados com evidéncia, propõe-se uma meta inatingível: a supressão do uso de drogas psicoativas. No entanto, longe de ser um fracasso completo, o proibicionismo apresenta-se como um poderoso braço de apresamento de sujeitos que devem ser rastreados, controlados, submetidos pela sua “periculosidade” (Robey, 2000). A liberalização, tal qual a abolição, já existe nas prácticas quotidianas e o proibicionismo seria um monumento inerte já que o consumo de psicoativos no mundo avança ano a ano. Daí a necessidade em questioná-lo, destacando sua historicidade, como os planos políticos e morais que o sustentam.
Drogas Leves e Drogas Duras
Os especialistas costumam dividir as drogas em dois tipos: leves e duras. Drogas leves são as que causam "dependência psíquica", que significa o desejo irrefreável de consumir a droga. Drogas duras são aquelas que além da dependência psíquica causam também a física, ou seja, a sua falta acarreta uma síndrome de abstinência tão violenta, com sintomas físicos tão dolorosos, que o viciado procura desesperadamente pela droga a fim de aliviar a ânsia de consumo. Por essa razão, fumo e álcool podem ser considerados como drogas duras, apesar de serem socialmente aceites.
Drogas Legais
Tabaco e Nicotina
A nicotina é um alcalóide estimulante do sistema nervoso central. Extrai-se das folhas de mais de sessenta espécies de Nicotiana. As mais usadas são a rustica e a tabacum.
Na década de 30 surgiam uma média de 5 artigos por ano nas revistas americanas sobre os malefícios do tabaco. A partir de 1955 esse número subiu para 35 artigos anuais em média. Na década de 70 já se sabia que o tabaco provocava o aparecimento precoce da menopausa e aumentava o risco de osteoporose nas mulheres tabagistas. Em 1980, um trabalho publicado pelo Departamento de Saúde dos Estados Unidos demonstrou que no homem o fumo reduzia os níveis da hormona testosterona. Hoje, centenas de artigos científicos alertam anualmente as pessoas sobre os riscos do tabaco.
Em 1986, o hábito de fumar entre os americanos foi identificado como a principal causa de morte evitável, responsável por mais de 300 mil mortes por ano, 135 mil das quais por cancro do pulmão. Morriam na época quase 800 pessoas por dia no país, vítimas do cigarro. A Sociedade Americana do Cancro informava que o tabaco tinha os seguintes efeitos no organismo humano: enfisema, cancro da laringe, cancro do pâncreas, cancro da bexiga, infarto do miocárdio, úlcera péptica, cancro bucal, cancro do pulmão, cancro do esófago, problemas durante o parto e com o feto. O Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos informou que o consumo de um charuto por dia, mesmo sem se travar o fumo, dobra as chances de ocorrência de cancro no esófago e na boca; comparada à do cigarro, o fumo do charuto emite 20 vezes mais amoniaco, cádmio e outros agentes cancerígenos.
Em 1995, uma pesquisa realizada em doze países por um instituto francês de oncologia, revelou que nada menos que 97,5% dos casos de cancro do pulmão estavam relacionados ao hábito de fumar. Novas pesquisas demonstraram posteriormente que o tabaco está também directamente relacionado ao cancro da mama, cancro do colo do útero e cancro cervical. O cigarro já foi apontado como factor de risco de 24 doenças diferentes. Segundo a OMS, o fumo aumenta em quase dez vezes a chance de ocorrer derrame cerebral, além de ser responsável por 75% dos casos de enfisema e bronquite no mundo.Segundo a OMS, o hábito de fumar é a causa conhecida ou provável de cerca de 25 doenças. Doenças que levam à morte de uma maneira ou de outra. Em setembro de 1998, na abertura da 25% Conferência Sanitária Pan-Americana em Washington, promovida pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Gro Harlem Brundtland, afirmou que o tabaco está se convertendo rapidamente na principal causa de morte na América Latina.
Em 1997, um estudo divulgado nos Estados Unidos indicava que mais de 40% dos casos de cancro do estômago estavam ligados ao tabaco. Também neste ano os próprios fabricantes de cigarro admitiram os malefícios do tabaco, ou foram forçados a fazê-lo. O dono da empresa de tabaco Ligget Group, em depoimento no tribunal de Miami, afirmou que "o cigarro causa cancro, doença cardíaca, enfisema e provoca
dependência em muitas pessoas." Um pesquisador disse que a empresa RJR sabia há mais de 25 anos que o cigarro causava enfisema, conforme verificado em coelhos de laboratório. Logo depois, o presidente da maior companhia de cigarros do mundo, a Philip Morris, admitiu a possibilidade de o cigarro ter sido o responsável pela morte de 100 mil americanos. Em troca do encerramento de 17 acções colectivas contra os fabricantes de cigarros, a indústria americana de tabaco concordou em aplicar US$ 368,5 mil milhões em saúde pública nos próximos 25 anos.
Até que foi um bom negócio para essa indústria, pois ela nem de longe queria imaginar a possibilidade de que uma parcela significativa dos parentes dos cerca de 1,3 milhões de mortos anualmente pelo tabaco resolvessem também abrir processos judiciais... Isso sem contar os doentes...
Estima-se que no mundo todo haja actualmente 1,1 mil milhões de fumadores, que contribuem com uma morte a cada dez segundos decorrente de alguma doença relacionada ao tabaco. O consumo mundial de cigarros aproxima-se de 6 bilhões de unidades por ano, ou quase 11 milhões de cigarros por minuto. Conforme dados do Banco Mundial, o custo do tabaco no mundo atinge 200 mil milhões de dólares por ano, através de perdas de vidas, gastos com saúde, diminuição de produtividade por doenças, etc.
Os seguintes males estão comprovadamente associados ao cigarro:
* Cérebro: o fumo triplica o risco de derrame;
* Nariz: o alcatrão reduz a capacidade olfactiva;
* Pulmão: o cigarro provoca bronquite e enfisema e eleva em 22 vezes o risco de cancro;
* Circulação: aumenta o risco de trombose, doença vascular periférica e inflamação de vasos;
* Rins: o fumo provoca insuficiência renal;
* Bexiga: eleva em três vezes o risco de cancro;
* Ossos: aumenta o risco de osteoporose nas mulheres;
* Boca: a nicotina inflama a gengiva e o alcatrão escurece os dentes; aumenta o risco de cancro;
* Laringe: cancro, laringite crónica, rouquidão;
* Coração: taquicardia e infarte;
* Aparelho digestivo: cancro do estômago, do pâncreas e do esófago, além de gastrite e úlcera;
* Sistema reprodutor: o fumo favorece o cancro do colo do útero, causa menopausa precoce e desenvolvimento anormal do feto; nos homens, prejudica a fertilidade.
Alcool
Assim como o cigarro, o álcool também causa dependência psicológica e física, apesar de ser uma droga aceita socialmente. A diferença é que, ao contrário do tabaco, o álcool só se torna danoso quando consumido em excesso, e prejudica apenas o alcoólico. Naturalmente, as pessoas que convivem com um alcoólico também sofrem indirectamente com os efeitos do vício, mas não com o álcool propriamente dito.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o alcoolismo uma das doenças que mais matam no mundo. Em meados da década de 80, a Organização chegou à conclusão que em três países europeus, França, Inglaterra e País de Gales, o consumo de álcool e as psicopatias alcoólicas aumentaram vinte vezes em 25 anos. Na ex-Jugoslávia, 50% dos homens admitidos em hospitais psiquiátricos tinham a origem dos seus males centrada no consumo de álcool. Na já distante década de 70, o governo dos Estados Unidos estimava que o alcoolismo causava um prejuízo anual ao país nunca inferior a 30 mil milhões de dólares. E uma pesquisa recente indica que de cada 4 suicidas americanos, um era alcoólico. Estima-se também que o álcool seja responsável por 100 mil mortes anuais evitáveis nos Estados Unidos, 17 mil das quais relacionadas a acidentes de trânsito.
O álcool tem um efeito devastador no viciado. No alcoolismo crónico é comum a ocorrência do Delirium tremens; o alcoólatra treme pelo corpo todo, sua temperatura pode chegar acima de 40ºC e o suor é tão abundante que ele pode morrer de desidratação; a pele fica avermelhada em razão dos danos aos vasos sanguíneos sob a pele. Os nervos afectados podem causar impotência; o indivíduo também pode ficar estéril em razão dos efeitos tóxicos no esperma. O álcool ainda pode causar pressão alta, arritmia, ataques cardíacos, derrames cerebrais e danos aos músculos cardíacos. Os eletroencefalogramas de alcoólicos mostram que há um encolhimento cerebral; a destruição das células cerebrais provoca deterioração intelectual, perda de memória e demência. Também são comuns sintomas de depressão. O fígado, que converte o álcool num produto ainda mais tóxico, o acetaldeído, fica escravo da bebida e acaba negligenciando o metabolismo dos alimentos, o que leva ao acumular de toxinas e de gorduras no sangue. O excesso de álcool provoca ainda arteriosclerose e miocardiopatia (degeneração do músculo cardíaco), podendo também causar cancro da garganta, do esófago e da boca. A pesquisadora Gilka Fígaro Galtas, da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que a bebida causa de 80% a 90% dos casos de cancro da boca. Os principais danos causados nos órgãos são os seguintes:
* Fígado: hepatite, cirrose (endurecimento e degeneração do tecido);
* Pâncreas: pancreatite (inflamação na qual o pâncreas libera as suas enzimas no próprio tecido);
* Estômago: gastrite, úlcera;
* Sistema nervoso: lesões cerebrais, epilepsia, psicose e demência;
Estudos revelam também que o uso do álcool tem um efeito definido e desfavorável em várias glândulas do corpo. Nos homens, o uso do álcool determina certa atrofia nos testículos, resultando uma redução no número de espermatozóides produzidos. Em casos extremos esta produção desaparece. Nas mulheres, revela-se um efeito semelhante nos ovários.
Que o álcool é, sim, uma droga, e muitíssimo potente, já foi demonstrado cientificamente. No livro Álcohol y Cérebro Adictivo, de 1991, os pesquisadores James Payne e Jenneth Blum demonstraram que, no cérebro, o álcool se transforma em TIQ, abreviatura de tetra-hidroisoquinolina, uma substância equivalente aos opiáceos. Como conseqüência, as bases neuroquímicas do alcoolismo e da toxicomania por opiáceos seriam similares.
Drogas de Farmácia
A quantidade de pessoas no mundo que estão hoje literalmente viciadas em medicamentos encontrados comumente em farmácias, como estimulantes, tranquilizantes e sedativos, não pode ser avaliada correctamente, mas se falarmos em 10% da população estaremos sem duvida a pecar por defeito. Quem não conhece alguem que ande a tomar ou já tomou "Xanax", "Victan", "Valium" ou "Prozac" para denominar alguns dos mais populares. Também estas pessoas são viciadas em drogas.
Uma das drogas de farmácia mais procurada para efeitos recreativos é a anfetamina. A anfetamina pertence a um grupo de drogas classificado como “estimulantes”. Como sugere o termo “estimulante”, trata-se de uma substância que altera a mente do usuário e excita o sistema nervoso central.
A anfetamina original foi a Benzedrina, sintetizada na Alemanha em 1887. De 1932 até 1946, os farmacêuticos relacionaram nada menos que 39 usos para anfetaminas, entre eles o tratamento de esquizofrenia, bloqueio coronário, paralisia cerebral infantil, doenças da radiação, hipotensão, indisposição durante viagens e soluço persistente. Entre outros efeitos, as anfetaminas interferem com os efeitos de uma classe de neurotransmissores chamada catecolamina (que inclui a dopamina e a norepinefrina). O resultado é que o corpo fica em estado de excitação, pronto para reagir a uma emergência, mesmo que não exista emergência. As anfetaminas provocam um aumento da frequência respiratória, depressão do apetite, perda de peso corporal, desnutrição, deficiências vitamínicas, dilatamento da pupila, perturbação da visão, dores de cabeça, boca seca, aumento da temperatura corporal, desordens gastrointestinais, arritmia cardíaca, hipertensão, reacções de ansiedade, psicose anfetamínica, síndrome de exaustão, depressão e alucinações.
Na Holanda, onde vimos que a legislação sobre o uso de marijuana e haxixe é flexível, as anfetaminas receitadas para regimes de emagrecimento foram retiradas do mercada há anos. Essas drogas produzem taquicardia, aumento da pressão arterial e levam muitos consumidores à esquizofrenia. Apesar das restrições ao consumo, cerca de 30 milhões de pessoas no mundo são consumidoras regulares de anfetaminas, segundo um informe da ONU publicado em Junho de 1997.
Quanto aos chamados ansiolíticos, tranquilizantes, sedativos e hipnóticos apesar de o seu uso recreativo ser em menor número também os seus efeitos podem ser nefastos para quem os consome bem como para as outras pessoas, pois o seu uso causa sonolência, fraqueza, sensação de cansaço, cefaleias, entre outros efeitos secundários, o que em condutores que os andem a tomar pode provocar graves acidentes de tráfico (eu próprio já fiquei sem uma pessoa muito querida por ter tido um acidente de tráfico enquanto andava a fazer tratamento com este tipo de fármacos).
Os Números do Narcotráfico
Em 1996, o FBI encaminhou um relatório à Interpol informando que no ano anterior os traficantes haviam movimentado em aplicações, investimentos e lavagem de dinheiro mais de US$ 200 mil milhões. Em julho de 1997, o Serviço de Control de Doenças da ONU divulgou um relatório informando que a lavagem de dinheiro do narcotráfico havia assumido proporções capazes de desestabilizar as economias nacionais e tendia a "minar a integridade do sistema financeiro mundial". Em 1998, a estimativa era de que o tráfico movimentava um volume de US$ 300 mil milhões. Naquele ano o narcotráfico controlava 60% dos negócios na capital de Myanmar (antiga Birmânia). Em 1999, de acordo com uma estimativa elaborada pelo Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP), o tráfico internacional de entorpecentes já estava movimentando cerca de US$ 500 mil milhões por ano.
A Legislação Relativa a Droga em Portugal
Como já foi dito, Portugal deu o passo de descriminalizar o uso de todas as drogas em 2001.
Portugal é signatário de uma série de tratados internacionais, pressionado principalmente pelos EUA, que exige uma proibição legal do tráfico nas suas leis, de acordo com o entendimento de que o que acontece num país em termos de tráfico afecta todos os outros.
Agora há pessoas que argumentam que o que Portugal fez – com a descriminalização – de certa forma viola esses tratados. Mas o tráfico é ainda ilegal em Portugal, e as únicas coisas descriminalizadas é a compra ou posse de uma quantidade de droga para uso pessoal por 10 dias.
Ora isto é um grande avanço, particularmente num país conhecido pelos seus brandos costumes.
Independentemente do caso dos traficantes, criminalizar consumidores de drogas (que mais não são que doentes do foro psiquiátrico), meter pessoas na prisão ou arrastá-las para o sistema de justiça criminal, forçá-las a ter advogados e ameaçá-las de cadeia é uma coisa terrível para se fazer com as pessoas e é contraproducente. Toda a gente sabe que as prisões são as universidades do crime e se mandar-mos para lá pessoas que o único "crime" que cometeram foi tomar drogas proibidas em que os únicos prejudicados são eles próprios, poderá estar a correr-se o enorme risco de no fim da pena estarmos a introduzir na sociedade alguem que aprendeu as artimanhas do mundo criminal com os verdadeiros criminosos presos e que agora sim poderá ser um perigo para os outros elementos da sociedade, praticando actos de natureza criminal contra pessoas ou bens.
Se se parar de usar todo o dinheiro em enormes forças policiais, prender e processar consumidores todo esse dinheiro vai ficar livre. E aí pode-se gastá-lo com campanhas reais de prevenção e mesmo de tratamento. Isso aconteceu aqui em Portugal com resultados prácticos à vista de todos.Dinheiro que costumava ir para o departamento de justiça criminal para prender pessoas e liberá-las sem nenhuma mudança no seu comportamento agora pode ser investido em crianças, influenciando-as de formas efectivas sobre os riscos do uso de drogas, ou em opções de tratamento – não apenas metadona, mas aconselhamento.
As taxas de uso de drogas por adolescentes em Portugal, sem comparar com outros países, mas em números absolutos, caiu nos 6 anos desde 2001, quando a lei entrou em vigor.
E Quanto ao Futuro?
Já vimos que enquanto houver procura haverá sempre oferta. E a história também nos diz que há e haverá sempre pessoas a querer alterar o seu estado seja devido a problemas pessoais, profissionais ou por mera recreação. Sempre foi assim desde o antigo Egipto até aos tempos de hoje. A lei seca já no século XX é mais uma prova do radicalismo dos grupos mais puritanos, bem como o total falhanço na intenção de erradicar hábitos alcoolicos na população e que o único grupo a beneficiar da lei foi o dos gangsters que rapidamente montou um sistema clandestino de produção e distribuição de alcool, bem como da gerência de clubes clandestinos onde se comercializavam as bebidas alcoolicas e onde se podiam encontrar todos os extractos sociais existentes.
Também sabemos que actualmente cada pessoa tem o direito de pensar e de agir conforme quiser (já lá vai o tempo da Inquisição em que quem agisse de maneira contrária ao que a igreja ditaminava era queimado vivo) e desde que não prejudique outras pessoas é livre para fazer o que bem entender e ainda bem que assim é. A pessoa que consome drogas só faz mal a si própria e se apesar de todos os factores negativos que existem para quem consome, essa pessoa quer continuar a consumi-las não somos nada nem ninguem para impedir essa pessoa. Já vimos que existem inúmeras drogas legais que fazem mal à saúde fisica e mental das pessoas que as consomem, bem como a terceiros (caso do tabaco para não ir mais longe) mas que continuam a ser aceites pela sociedade e a poder ser vendidas a quem as queira consumir. O porquê desta descriminação? Que diferença existe entre ebriar-se com vinho tinto ou com heroína? Só o facto de o vinho tinto ser legal e a heroína ilegal, pois ambos têm efeitos nocivos no nosso organismo, ambos causam dependência psiquica e física e ambos podem levar à completa destruição de uma pessoa.
E com o aparecimento cada vez maior e mais rápido de novos fármacos distinguir entre "drogas boas" e "drogas más" é cada vez mais absurdo pois uma substância poderá fazer "milagres" na cura de certa doença mas poderá também ser utilizada para efeitos recreativos (e que hoje em dia já se verifica com inúmeros medicamentos).
Mas o factor mais importante ao acabar a proibição é o de que o negócio de milhares de milhões de euros que actualmente beneficia grupos criminais organizados poderia beneficiar a própria sociedade e os mais desfavorecidos, na maneira que o dinheiro que o estado passaria a ingressar com a comercialização destes produtos poderia ser utilizado na prevenção, no tratamento dos consumidores e em obras sociais em beneficio dos mais desfavorecidos e porque não e através de protocolos de cooperação a própria igreja, bem como em outros projectos de interesse nacional. Com a proibição o dinheiro do narcotráfico beneficia unicamente grupos criminais desde os grandes barões da droga até aos pequenos traficantes de rua e esse dinheiro é investido em armas e no financiamento de acções criminais. Com a liberalização o dinheiro passaria a beneficiar unicamente o estado e o dinheiro passaria a ser investido em obras sociais com impacto directo no bem estar das populações. Estariam-se a matar dois coelhos com uma só cajadada.
Outro importante factor a favor da liberalização é que como as substâncias passariam a ser vendidas em locais próprios (como nas farmácias por exemplo) os menores teriam muito mais dificultado o seu acesso, bem como a identificação de consumidores e o seu acesso a programas de recuperação e integração social seria muito mais fácil e eficaz.
A liberalização de drogas leves na Holanda diz-nos que o consumo de qualquer tipo de drogas em jovens e adolescentes baixou desde a liberalização. A percentagem de consumidores de drogas leves e duras é menor que nos Estados Unidos e muitos outros estados onde impera a proibição e criminalização dos consumidores. Por quanto mais tempo é que vamos continuar a ignorar os dados estatísticos?
E a história também nos diz que os grupos puritanos através dos seus ideais e das suas acções radicais e fundamentalistas sempre foram um factor importante de entorpecimento do desenvolvimento social, humano e mesmo tecnológico. Os seus ideais puritanos mostram unicamente o quão desligados da realidade social em que vivem estão e só conseguem ter uma influência tão grande na sociedade graças à sua grande capacidade de mobilização que outros grupos infelizmente não possuem. Será que continuamos a não aprender nada com a história? Até quando vamos permitir que uma minoria controle a informação e a opinião do resto da população?
Estatisticas relativas ao consumo de Drogas Leves e Duras na Holanda em comparação aos Estados Unidos e outros países
http://www.parl.gc.ca/37/1/parlbus/commbus/senate/Com-e/ille-e/library-e/dolin1-e.htm
Este é um tema que não é fácil de expressar num voto , pois a sua envolvência trascende no meu entender as opções dadas.
ResponderEliminarO que pode e deve ser feito no tocante às drogas é a sua regulamenteção progressiva, isto é ir introduzindo aos poucos meios que permitam ao mesmo tempo a integração normal na sociedade sob vigilancia. Seja em primeira instância seguir o modelo holandes.
Contudo vejamos que falar de drogas é muito pouco, pois dados os tipos que há e os que aparecem é muito complicado traçar um plano único. Se não vejamos... Deve-se dar o mesmo tratamento à cocaína que ao cannabis. O segundo pode até ter benefícios no tratamento de problemas como o glaucoma. Mas e a cocaína? é altamente prejudicial para a saúde do indivíduo pois da forma que é consumida normalmente, por aspiração nasal, leva à necrose dos tecidos dessa àrea, para além de outros prejuízos cardio vasculares. Numa fase em que a luta contra o tabco está tão acesa e com toda a razão justificada, não vejo o porque da liberalização integral do consumo de algumas substancias. Isto é só uma achega ao tema, mas penso que já serve e bem como post inaugural a um blog que tem todo o mérito. E que espero que seja levado muito a sério.
Além disso fica aqui um abraço pela coragem do autor a enfrentar assim este tema.
Bem falar sobre a droga não é uma tarefa fácil. Temos de primeiro dividir o ser humano em três grupos, o produtor, o traficante e o consumidor. Na verdade a droga é um dos maiores negócios do mundo que floresce à custa de morte e sofrimento. Na maioria dos casos o produtor (agricultor) de coca, papoila ou canabis é uma pessoa muito pobre que não tem outro remédio que não seja a cultura destas plantas. Assim assiste-se a um ciclo interessante de pobreza -> riqueza -> pobreza que é o pilar da economia da droga.
ResponderEliminarA questão da legalização, no meu entender é um assunto que me parece de difícil resolução local, visto que enquanto houver países que penalizam o consumo e outros que o despenalizam e até aceitam, nunca será uma solução definitiva de quebra do ciclo de miséria.
São mais do que conhecidos os casos em que o tráfego de droga está associado a guerra terrorismo e criminalidade, na Colômbia o que começou como um movimento revolucionário de esquerda, acabou num movimento que utiliza o tráfego de droga como meio de financiamento para manter uma guerra contra o governo, que actualmente é legal e democrático; no Afeganistão os Taliban apoiavam a plantação de papoilas para financiar campos de treino de terroristas.
Independentemente das questões médicas relacionadas com o consumo de drogas, das quais me abstenho de comentar por falta de conhecimentos, o meu enfoque vai sobretudo para as questões sócio-económicas e aí só tenho a dizer que não faltam provas de que a economia da droga é um dos principais causadores de miséria e guerra no mundo. Para finalizar devo dizer que acredito na despenalização do consumo da droga, porque acredito que o consumidor é uma pessoa doente que deve ser tratada e não penalizada. Acredito que todos somos responsáveis pelos nossos actos, mas também acredito que ninguém está livre de errar e tem direito de corrigir os seus erros e ser apoiado no processo.
Os meus parabéns pelo blog e espero que mais temas interessantes se sigam a este.